“Em atenção a tua palavra, lançarei as redes” Lc 5,5
Qual a sua relação com a Palavra de Deus? Que lugar ela ocupa na sua vida?
No mês de setembro a igreja Católica do mundo inteiro celebra, de forma particular, o mês da Bíblia, Palavra de Deus, dando ênfase, sobretudo ao seu poder transformador para a vida do homem, mas também incentivando os cristãos a uma relação mais íntima com os ensinamentos do Senhor por meio da leitura e reflexão diária.
Vale destacar, no entanto, que o uso do verbo celebrar, nesse contexto, designa muito mais que fazer memória, menção à Palavra de Deus nas santas missas ou até mesmo colocá-la debaixo do braço como amuleto e, na maioria das vezes, como instrumento de identificação cristã. Diz respeito ao amor e à reverência que devemos ter ao modo particular e especial que o Pai escolheu para manifestar-se a nós, a ponto de desejar habitar de forma encarnada a realidade humana, por meio do seu filho Jesus, verbo divino, Palavra Viva de Deus.
Por meio da Palavra Deus revela-se ao coração do homem, permitindo-lhe conhecer a si mesmo, através de um mergulho profundo na sua humanidade frágil e necessitada do toque e da orientação do seu Criador, mas, sobretudo ela leva-lhe ao conhecimento da verdade, abrindo-lhe ao entendimento de quem é Deus e de como seu amor e sua misericórdia agem e transformam a vida do ser humano. Portanto, sem relacionar-se com a Palavra saberemos muito pouco ou nada do Senhor. “Quem não conhece as Sagradas Escrituras, não conhece o próprio Cristo” (São Jerônimo).
A Palavra educa e molda o nosso modo de ser e viver, com o objetivo de nos fazer alcançar a santidade que reflete a perfeição do Pai. Assim, ela é “útil para ensinar, para argumentar, para corrigir e para educar conforme a justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra”. (II Tm 3, 16-17).
Da relação com a Palavra de Deus nasce o homem novo, instruído para o bem, capaz de compreender os desígnios do Senhor para a sua vida, posto que não se trata apenas de um conjunto de livros, mas de uma Pessoa que deseja comunicar-se conosco e encontrar abrigo no nosso interior, revelando-se como um grande amigo, conhecedor dos nossos anseios, aflições e misérias, mas que, ainda assim, deseja estar perto, fazendo-se um conosco.
Ao nos depararmos com a narrativa da pesca milagrosa, na qual Pedro lança as redes pela segunda vez, a pedido de Jesus, após uma noite frustrante de pescaria, temos a oportunidade de aprender várias lições com o discípulo que se deixou impregnar pela Palavra de Deus. Aprendemos primeiramente que no coração de Jesus, Palavra viva do Pai, está o direcionamento que precisamos para uma vida frutífera. Aqui vemos o poder orientador da Palavra. Por meio dela somos instruídos para tomar decisões acertadas, pois a Palavra nunca falha. Nela encontramos a força que precisamos para recomeçar, arriscar-nos de novo e, sobretudo, para avançarmos para águas mais profundas. A intimidade com as Sagradas Escrituras nos tira da superfície em relação ao conhecimento das coisas de Deus. Quem aceita ficar na superfície, jamais experimentará a “pesca milagrosa” no decurso da sua vida.
O segundo aspecto diz respeito àquele que escuta a Palavra. Escutar significa prestar atenção, deixar descer ao coração aquilo que é dito pelo outro. Quem ama não resiste em colocar os ouvidos a serviço dAquele que nos fala. A escuta é um dom que gera obediência no coração do homem, portanto, sem escutar, jamais se pode obedecer e se não há obediência, não há intimidade. A escuta inaugura o milagre, enquanto a obediência no faz tocá-lo. Assim, a escuta da Palavra gera a graça de Deus em nós. Você tem escutado o Senhor? Tem permitido que ele diga-lhe onde lançar as redes?
O último aspecto diz respeito ao poder da Palavra de Deus a qual “não volta sem produzir seu resultado […], sem cumprir com sucesso a sua missão” (Is 55, 11). Dessa forma, quando ela nos toca, abre nossos sentidos, dissipa as trevas, afasta o desânimo e nos encoraja. Pedro, embora estivesse cansado e frustrado, deixou-se alcançar pela Palavra a qual teve ressonância no seu interior: “em atenção a Tua Palavra lançarei as redes” (Lc 5,5). Assim, ao escutar a ordenança de Jesus, o discípulo lançou não só as redes, mas fez a experiência de colocar aos pés do seu Mestre o homem velho, para lançar-se ao novo de Deus. Por meio da Palavra, ele não alcançou só o milagre, mas o coração de Jesus, sendo a partir daquele dia escolhido para lançar as redes da fé sobre toda a humanidade.
Se quisermos ter uma vida frutífera, um profundo relacionamento com Deus, precisaremos ter a coragem de lançar as redes em outras direções do mar da nossa vida, muitas vezes diante das nossas frustrações e dissabores. No entanto, essa ação deve ser precedida pelo exercício da escuta da Palavra a qual, certamente, nos conduzirá ao mergulho em águas mais profundas que nos permitirão desfrutar, cada vez mais, da graça de Deus.